Tendências do investimento no Brasil destacam consumo

Reuters

Lentidão do crescimento de lucros leva empresas brasileiras de commodities a cortar planos de investimentos e priorizar consumidor

A lentidão do crescimento de lucros está levando empresas brasileiras de commodities a cortar seus planos de investimentos, fazendo com que o crescimento da maior economia da América Latina torne-se ainda mais dependente de gastos de consumidores.

Produtores de celulose, mineradoras e fabricantes de aço cujos resultados do quarto trimestre não atingiram as estimativas do mercado estão cortando investimentos enquanto a crise de dívida da Europa e a desaceleração da economia chinesa exercem seu peso na demanda global por seus produtos.

O crescimento de lucros de oito de 14 empresas pesquisadas pela Thomson Reuters teve redução de cerca de 7% em relação ao ano anterior.

Leia: Vinícolas brasileiras tentam ‘encorpar’ vendas dentro e fora do País

Em compensação, processadoras de pagamentos com cartões, redes de varejo e empresas de telecomunicações planeiam investir mais com a esperança de que medidas do governo para diminuir custos de empréstimos e impostos irão acelerar a economia brasileira mais à frente neste ano. Tais promessas surgem apesar de desempenhos trimestrais fracos da maioria delas.

"O investimento em larga escala em setores cíclicos está tomando um papel secundário", disse o gestor Dany Rappaport, que administra US$ 150 milhões em ativos no InvestPort em São Paulo. "O Brasil está se tornando uma economia baseada em consumo mais rápido do que a maioria de nós imaginou."

O que inicialmente pareceu uma decisão de negócios baseada em ciclos pode ser uma evidência de mudanças mais profundas pela qual a economia brasileira, de US$ 2,3 trilhões, está passando. Um aspecto, particularmente, é preocupante: a redução do papel da indústria conforme serviços tomam o centro do palco.

Também: Margem recorde do Pão de Açúcar anima investidores e ações sobem

No final de 2011, a fatia de serviços atingiu 67% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, ante 55% dez anos antes. Em compensação, o peso da indústria caiu para cerca de 28% do PIB, ante 35%.

O Brasil, a quarta maior democracia do mundo, está dividido entre ser uma economia industrializada e uma potência de commodities.

À medida que mineradoras e fábricas reduzem seus investimentos, o progresso que o Brasil realizou em termos de participação de investimentos no total do PIB pode estar ameaçado. Investimentos representam 20% do PIB, um aumento ante os 15% em 2002 mas abaixo do nível de várias outras nações em desenvolvimento.

O governo da presidente Dilma Rousseff está preocupado com a diminuição do papel da indústria, uma tendência a que autoridades comerciais se referem como "desindustrialização".

Veja: Bancos brasileiros lideram processos de fusões

Ao mesmo tempo, entretanto, o governo está tomando medidas para encorajar gastos de consumidores, o que pode acabar reforçando a mudança em direção a uma economia baseada em serviços.

Investimentos da parte de produtores de commodities foram os responsáveis por retomar a força da economia brasileira durante as desacelerações de 2003 e 2006. Mas quando a economia desviou brevemente para uma recessão em 2009, foi uma forte expansão no setor de serviços que reviveu o crescimento.

Balanços melhores

Enquanto as condições dos mercados de minério de ferro, celulose e petróleo continuam incertas, planos de investimento menos ambiciosos vão ao menos ajudar produtores de bens industriais e commodities a melhorarem seus balanços nos próximos trimestres e implementarem estratégias de cortes de custos que podem aumentar o preço de suas ações.

"O que os números estão provavelmente nos dizendo é que os retornos em potencial não compensam os riscos em projetos para empresas industriais e de commodities", disse o chefe de ações de uma corretora de São Paulo, que falou sob condição de anonimato. "É uma incompatibilidade no longo prazo, não no curto prazo."

Leia: Dona da Doril e da Risqué contrata presidente da Nivea

Economistas do Bank of America Merrill Lynch estimam que o investimento no Brasil cresça no ritmo de 3,7% neste ano, uma queda em relação aos 5,1% em 2011.

A Gerdau, maior produtora de aços longos das Américas, recentemente realizou um corte em seu plano de investimentos de cinco anos em R$ 500 milhões. A fabricante de celulose Fibria, que tem um pesado endividamento, disse que gastará apenas o necessário para manter suas operações.

A gigante mineradora Vale, maior empresa do setor privado do país, também cortou seu plano de investimentos de 2012 em 11%, para US$ 21 bilhões, em função da volatilidade dos preços de metais. O presidente-executivo da empresa, Murilo Ferreira, desacelerou novos investimentos para se concentrar em projetos existentes.

A estatal Petrobras não "expandirá o escopo" de seu plano de investimentos de cinco anos, de R$ 225 bilhões, disse a nova presidente-executiva da petrolífera, Maria das Graças Foster, na semana passada.

As empresas todas compartilham a mesma ideia: elas viram lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) crescerem a um ritmo mais lento.

Também: Embraer vê leve alta da receita por negócio de Defesa

"Quanto mais prudentes essas empresas forem com seus planos de investimentos, melhor elas vão lidar com o que parece ser uma época desafiadora", disse Roseli Machado, que administra R$ 5,2 bilhões em ativos na Fator Administradora de Recursos.

A exceção entre as empresas industriais cautelosas é a Embraer, terceira maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo, que aumentou seu plano de investimentos em 44%, para US$ 650 milhões, neste ano, em parte para responder à promessa de demanda por aeronaves militares e de defesa.

"Boom" de serviços

A Redecard, segunda maior processadora de cartões de crédito do Brasil, vai mais do que dobrar seu plano de investimentos neste ano para R$ 500 milhões, com objetivo de aumentar sua fatia de mercado. O Pão de Açúcar, maior varejista do país, planeja aumentar os investimentos em cerca de 40% em 2012.

A Telefônica Brasil deve investir este ano quantia similar à aplicada em 2011. Sua rival TIM Participações investirá 3 bilhões de reais, mudança pequena em relação a 2011.

"A percepção é de que a demanda doméstica ganhará muita tração durante o segundo semestre", adicionou Rappaport.

Alguns economistas dizem que uma contribuição maior de investimentos ao crescimento e um consumo mais moderado poderiam ajudar a economia brasileira a evitar a repetição de ciclos de estagnação e aceleração que levaram à hiperinflação crônica há menos de duas décadas.

Alguns mercados emergentes como a China primeiro se tornaram economias industrializadas antes de se tornarem potências globais. Esse não é o caso do Brasil, apesar de o país ser sede de uma base diversificada de empresas de manufatura e de materiais.

O Brasil está deixando de lado essa transição principalmente em função de uma crescente classe média -mais de 30 milhões de pessoas saíram da pobreza na última década-, que está rapidamente impulsionando a demanda por bens e serviços.

Não é surpresa, então, que investidores provavelmente continuem favorecendo ações de varejo e de bens de consumo sobre ações industriais nos próximos anos, disse Roseli, da Fator.