Estudo de 2015 previu quase tudo o que aconteceria com os shoppings em 2020

Os shoppings já sabiam há cinco anos quase tudo o que teriam pela frente neste marcante ano de 2020. Em maio de 2015, em Las Vegas, durante a RECON, maior evento global da indústria de shopping centers, foi divulgado um estudo intitulado “Envision 2020” (escrevi sobre isso aqui no Mercado&Consumo, em junho de 2015, leia aqui).

O relatório final antevê, com precisão espantosa, o cenário que estamos vivendo agora em 2020 – com exceção da pandemia, é claro – e por isso mesmo merece ser revisitado.

Os oito grandes movimentos detectados e apresentados no “Envision 2020” foram resultado do trabalho de um grupo de conselheiros do ICSC (International Council of Shopping Centers), preocupados em preparar a indústria de shoppings para os desafios do futuro. Ficou curioso? Então, vamos a eles.

1) Convergência do varejo físico e online

O estudo previa que varejo físico e online seriam complementares e isso obrigaria os shoppings a intensificarem a presença digital. Acertou na mosca! Hoje projetos de marketplace, estratégias de delivery, experimentos em torno de live commerce estão na agenda da maioria dos shoppings brasileiros.

2) Criação de ambientes flexíveis para atrair clientes mais jovens

De acordo com o “Envision 2020”, os shoppings deveriam trabalhar para desenvolver ambientes mais divertidos e interativos, com ofertas personalizadas, para atrair as novas gerações. Antes da pandemia esse já era o foco de vários eventos em todo o nosso país. Mais uma bola dentro.

3) Intimidade sem precedentes com os consumidores

O documento anteviu que, com a ajuda da tecnologia, shoppings e lojistas cada vez mais frequentemente criariam comunicação e experiências customizadas para os consumidores. De fato, hoje temos condições de falar individualmente com nossos clientes, em especial no ambiente digital. E ainda estamos no começo dessa jornada.

4) Aceleração da colaboração entre varejistas e shoppings

Talvez esse seja o ponto em que ainda evoluímos pouco no Brasil, de 2015 para cá. A previsão de que o velho antagonismo entre varejo e shoppings caminharia para uma parceria verdadeiramente colaborativa, envolvendo inclusive troca de informações sobre os consumidores, não se confirmou totalmente, embora seja possível ver diversas administradoras trabalhando o compartilhamento de fornecedores com o objetivo de reduzir custos para lojistas, em especial na pandemia.

5) Empreendimentos com formatos flexíveis, incorporando a ideia de pontos de distribuição

Aqui foi onde o “Envision 2020” mostrou pontaria mais certeira. Quando pensamos em parcerias do Delivery Center com diversas redes, ou do iFood com Iguatemi, nos lockers instalados em diversos empreendimentos e ainda nos pontos de pick up para produtos comprados online, é impossível não reconhecer a perfeita análise de cenário dos especialistas do ICSC. O trabalho afirmou, ainda, que os shoppings evoluiriam do modelo de negócios de locação de lojas de varejo para uma complexa combinação de canais de distribuição de produtos e serviços aos consumidores. E estamos mesmo seguindo nessa direção.

6) Conversão dos shopping centers em comunidades

Outra antevisão correta foi a de que o conceito central do shopping center estava em mutação, passando de um templo de consumo para uma comunidade dedicada aos seus frequentadores, onde varejo e entretenimento misturam-se e completam-se. O estudo dizia também que, no tenant mix, lojas de vestuário seriam menos predominantes, dando lugar a supermercados, escolas e cursos, serviços médicos e restaurantes. Bingo!

7) Surgimento de um novo modelo misto de aluguel

Olhe que interessante isso: segundo o “Envision 2020”, o modelo de negócios tradicional, baseado em vendas das lojas, tenderia a se transformar em um sistema mais flexível, levando em consideração tanto as transações nas lojas físicas quanto as feitas online. Se de um lado a previsão não se confirmou completamente, de outro esse é um desafio sobre o qual os shoppings estão de fato debruçados neste momento.

8) Surgimento de um cenário mais favorável ao investimento

O levantamento afirmou que novas fontes de financiamento surgiriam, motivados pelos diferentes formatos de shoppings e pela abundância de informações disponíveis para balizar os investimentos. Acertou de novo.

Curiosamente, apesar do aviso prévio – e com data marcada -, muitos importantes desenvolvedores e administradores de shoppings foram pegos de calças curtas quando a pandemia acelerou dramaticamente a velocidade das transformações no setor. Por outro lado, é reconfortante perceber que a indústria brasileira de shopping centers está entre as mais modernas no que se refere a inovação.

Uma última lição emerge da leitura desse estudo: é preciso levar a sério as previsões de estudos embasados e de especialistas que costumam historicamente acertar suas previsões, sob o risco de largar na rabeira do pelotão e chegar por último na corrida pela preferência dos consumidores. Ou, pior ainda, ficar preso a modelos de negócio do passado.

* Imagem: Reprodução